A associação entre vida, morte e experimentação artística é tema recorrente neste livro de Ricardo Rodrigues. Escrever com sangue. A investigação e o perigo conferem vitalidade à literatura. Só a arte do risco nos faz renascer neste looping entre morte e vida que move a escrita. “Precisamos escrever para nos manter vivos, é verdade, mas também para ressuscitarmos muitas e muitas vezes após as incontáveis e perigosas caminhadas nos vales da solidão”, diz Rodrigues logo após definir-se como “artista natimorto, que ousou existir, experimentar e que insiste em praticar uma arte que lhe parece sempre vedada e inalcançável”. O que vem a ser um artista natimorto? Metáfora do fracasso imposto pela arte “vedada e inalcançável”? Prefiro pensar em uma existência geneticamente despossuída da – antiquada, enclausurante – aura do autor. O próprio Ricardo responde: “O autor é um outro e muitos outros. Ele comanda uma alcateia e pode ser um ecossistema e até uma galáxia”.
Uma constelação de autores e autoras aparece ao longo do livro. Todos já mortos, revividos na forma de energia fóssil. O diálogo com eles, suas biografias e ideias, constitui uma espécie de método. Um caminho de pensamento coerente com outra tese que sempre retorna nestes aforismos e miniensaios: a experimentação artística é inseparável das demais dimensões da vida. Ou o abismo ou nada.
Felipe Polydoro
Conviccões em chamas: aforismos e miniensaios poéticos sobre a arte de escrever e o perigo das conviccões. Com apresentação de Neuva Ornelas e Felipe Polydoro. Brochura costurada, 14x21cm, miolo p/b, em papel pólen bold 90g, 168p. TUBO, Brasília: 2024 (1ª ed.). ISBN: 978-65-998507-3-8.